segunda-feira, 27 de junho de 2011

A ITÁLIA DISSE NÃO A BERLUSCONI

A derrota de Berlusconi, na consulta plebiscitária, apesar da crescente impopularidade do primeiro ministro, trouxe duas surpresas. A primeira delas foi o comparecimento que, superando o patamar constitucional de 50%, validou a consulta, e a segunda, a derrota das decisões do governo pela inédita maioria de 95% em média, nas quatro questões propostas. Como se sabe, há 16 anos não se obtinha o quorum mínimo para anular uma lei ou decisão governamental.

Ainda que, do ponto de vista da atualidade política, a massacrante vitória da oposição seja a da não imunidade (melhor, não impunidade) de Berlusconi e de seus ministros, os outros pontos da consulta golpeiam fundo os postulados do neoliberalismo, sobre os quais Berlusconi estabeleceu o seu poder. O povo disse não à acelerada privatização da água, fechando o passo à ampliada exploração dos recursos hídricos pelas sociedades capitalistas, algumas delas provavelmente estrangeiras, da mesma forma que se manifestou contra a energia nuclear.

Embora tenha perdido, por duas vezes, a chefia do governo para a esquerda, é inegável que a vida política italiana se desenvolveu, desde 1964, quando o poderoso e suspeitíssimo empresário ganhou sua primeira eleição, em torno de Berlusconi. Não se discutiam os projetos de governo, nem os fundamentos ideológicos da esquerda. A vida política oscilava entre os berlusconianos e a esquerda. E Berlusconi administrava os interesses mafiosos do sul com os altos interesses empresariais do Norte, reunidos em torno da Lega Lombarda, de inspiração separatista e neofascista.

O populismo é uma velha doença italiana, e tem suas raízes na velha república romana. Tratou-se de astucioso expediente dos patrícios, o de permitir o surgimento de movimentos dessa natureza, a fim de servir de alívio ao inconformismo das massas – até certo ponto. Houve, no entanto, tanto à esquerda, quanto à direita, movimentos de alguma densidade, vencidos fosse pelas armas, fosse pela reação do próprio povo. O fascismo de Mussolini foi um desses movimentos, mais sério pelas condições históricas que favoreciam a ascensão da direita, e também pela formação intelectual e ideológica do duce, filho de um trabalhador socialista e de algumas letras, que lhe deu o nome de Benito em homenagem a Juarez, o revolucionário mexicano. Juarez morrera onze anos antes do nascimento do líder italiano. É imensa a distância entre Mussolini e Berlusconi, o que dá razão a Marx: as coisas ocorrem primeiro como tragédia e, mais tarde, como farsa. Ainda que para Croce, Mussolini não passou de um “palhaço”, a quem o rei entregara o poder, o duce era discreto em seu comportamento pessoal e protegido pelo sistema totalitário, que preservava a sua privacidade.

A derrota de Berlusconi é uma oportunidade para que os democratas de esquerda encontrem um projeto comum de poder. Eles devem partir da dura realidade de que não foi o comportamento debochado de Berlusconi que promoveu a sua queda de popularidade e, provavelmente, o expila do governo daqui a uma semana. O seu desprestígio é resultante da terrível situação econômica do país, que, por sua vez, se deve ao neoliberalismo que está em dramática decadência em todos os países que o inventaram e nos quais os governos o sustentaram, dos Estados Unidos à Grécia, passando pela França de Sarkozy, a Espanha de Aznar e Zapatero, a Itália do trêfego Berlusconi. A Itália e os seus vizinhos só terão estabilidade política se avançarem nas reformas, algumas delas sinalizadas pelo referendum recentíssimo. A esmagadora maioria dos italianos optou por mais estado e menos mercado, por mais empregos e menos lucros das empresas privadas. Mas a esquerda, em nosso tempo, tem atuado como se o seu caminho ao poder tenha que passar necessariamente pela direita.

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O PERU NA ENCRUZILHADA

O Peru é o mais enigmático dos nossos vizinhos. Alguns de seus intelectuais, dos mais vigorosos da América Latina, foram dos primeiros a “pensar” as contradições de nossos povos. José Carlos Mariátegui se distinguiu como o mais importante marxista do continente, ao examinar as contradições de seu país, com seus Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana. Romancistas como Ciro Alegria, de “El Mundo es ancho y ajeno”, José Maria Arguedas, autor do vasto painel de “Los Rios Profundos” e, mais recentemente, Vargas Llosa, com “Conversación en La Catedral”, não são menos importantes. Eles mostram a humanidade sofrida - rica em história, marcada pela dupla identidade, indígena e européia, além da ponderável presença negra e asiática - da inquieta nação amazônica e andina.

O Peru foi o primeiro país a ensaiar, com Victor Haya de La Torre, o sonho do socialismo. Seu partido – Aliança Popular Revolucionária Americana – fundado no México, em 1924,propunha ação internacional em toda a Indoamérica, ou seja, em todas as nações do continente, do México ao Chile, que ainda mantinham forte presença das populações autóctones da cordilheira. Haya de La Torre preferia ação mais moderada, enquanto seu companheiro de mocidade, o imenso autodidata Mariátegui, criava o Partido Comunista Peruano.

Nenhuma obra de ficção – com forte presença antropológica – foi mais poderosa na análise das contradições andinas do que a de José Maria Arguedas. Privilegiado por haver vivido na cordilheira e, durante algum tempo da infância, apenas com índios e mestiços, ele expõe, como nenhum outro autor latino-americano, o contraditório mundo dos altiplanos e encostas das grandes montanhas, com o conflito permanente entre a visão ameríndia da vida e aquela imposta pela cultura européia. Arguedas acrescenta à sua obra maior, Los Rios Profundos, novelas menores, mas nem por isso menos poderosas, sobretudo na denúncia do imperialismo norte-americano e do latifúndio, como Todas las sangres, e El zorro de arriba y el zorro de abajo, além de artigos jornalísticos e estudos de etnologia.

É este povo peruano que vai domingo às urnas. De um lado, o candidato de centro-esquerda, Ollanta Humala e, do outro, a filha do sanguinário, corrupto e entreguista Alberto Fujimori, que se encontra preso, condenado pela justiça de seu país. As últimas notícias diziam da inquietação do “mercado” (sempre os mesmos) com a possível vitória de Humala. Para os banqueiros e seus sequazes, o destino do país não importa. Não importa a democracia, com o estado de direito e a liberdade das pessoas, mas, sim, os lucros do capital financeiro.

Há uma semana, a vitória da filha de El Chino eram favas contadas. Diante do perigo de que Fujimori (como fazem os grandes narcotraficantes com seus negócios), viesse a governar o país a partir da prisão, e da possibilidade de que a filha conseguisse indultá-lo – houve uma súbita mobilização nacional. Pessoas sensatas, ainda que não de esquerda, como é o caso de Vargas Llosa, manifestaram-se a fim de evitar a tragédia política. Nas últimas horas, cresceu a esperança de que Humala vença o pleito.

O que é mais estranho na atualidade peruana é a atitude do atual presidente, Alan Garcia. Garcia herdou de Haya de La Torre o Partido Aprista Peruano, vindo da APRA, fundada por Haya de La Torre e que fora uma bandeira da unidade latino-americana sob um projeto de socialismo libertário.

A conversão de Garcia à direita, fenômeno muito comum entre os que se elegem pela esquerda e logo se entregam aos antigos adversários, faz, no caso do Peru, lembrar verso poderoso do maior poeta do país, o comunista César Vallejo, em poema escrito em 1937:

Acaba de pasar,

sin haber venido.

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http://www.jb.com.br/jb-premium/noticias/2011/06/03/mauro-santayana-coisas-da-politica-40/

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http://www.conversaafiada.com.br/politica/2011/06/03/santayana-analisa-a-eleicao-do-peru/

http://limpinhocheiroso.blogspot.com/2011/06/mauro-santayana-o-peru-na-encruzilhada.html

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